RICARDO “MACAU” ALVES: ‘O Mito ganhou o nome antes de ser escalado, e até antes de ser encontrado’
Em Macau desenvolveu a apetência por subir às rochas e nos Estados Unidos da América viveu o sonho de muitos escaladores, mas foi em Sintra que Ricardo “Macau” Alves mais contribuiu para a cultura de escalada de bloco em Portugal. O autor do famoso guia “Sintra Bouldering”, que conta com o seu trabalho fotográfico publicado em diversas revistas europeias, continua a empenhar-se no desenvolvimento e divulgação de novas pérolas para serem provadas pela comunidade.
Como é que a escalada surge na tua vida?
Temos que recuar quase à minha adolescência. Eu sempre gostei da parte física de fazer elevações, de estar pendurado… Isso desafiava-me. Acho que a escalada surgiu quando ainda estava a viver em Macau, onde tinha um amigo com quem partilhava esse gosto. Não era propriamente escalada, mas gostávamos de nos pôr à prova com elevações, subir às árvores, subir muros. Vasculhávamos o território para ver se encontrávamos rochedos, e alguns até tinham uma altura considerável. Então, arranjamos uma corda - que era usada para segurar os sinais dos tufões -, mas era grossíssima e nem passava no oito. Fizemos uma macacada, que era fazer um top rope, mas com a corda enrolada na perna. Portanto, eu comecei a escalar nesse ambiente sem estrutura nenhuma. Também sabia que havia uma parede de escalada que estava em desuso, num hotel. Cheguei a ir lá falar com o responsável para tentar subir, e ter uma espécie de aula com ele, mas o tipo estava sempre a dar-me para trás. Um dia chegamos e subimos aquilo a solo. Isto foi, mais ou menos, durante dois anos, portanto, 11º, 12º ano em Macau. Depois, entrei para a faculdade cá em Portugal, e as coisas já estavam diferentes. Já existia o Farol da Guia e os meus primeiros passos da escalada desportiva foram aí. Isto em 1993, 1994.
Mencionaste Macau, que é também a tua alcunha. Nasceste lá?
Nasci cá [em Portugal]. Fui para Macau com 8 anos, e regressei a Portugal em 1994, quando entrei na faculdade.
(Fotografia: Rita Ribeiro Silva)
E por cá, qual foi o teu primeiro contacto com a escalada?
Eu não conhecia ninguém, mas tive a sorte de entrar na FCT [Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa], e acabei por conhecer gente de outros cursos com quem partilhava os mesmos gostos. Tinham aquela química, espírito de aventura e começamos logo a combinar umas idas à Guia e à Arrábida, para a Fenda… Mas não tínhamos nível para aquilo. De qualquer forma, ficámos a conhecer, e passado um ou dois anos fundámos o Núcleo de Aventura, onde fizemos imensas atividades. Começámos a ter uma certa força porque éramos um grupo de amigos que escalava ao fim de semana. Nas férias fazíamos saídas para o Algarve e algumas saídas para Espanha. E foi aí que fui conhecendo a comunidade, que era ainda pequena nessa altura.
O que vos levou a criar o Núcleo de Aventura? Foi a escassez de projetos semelhantes?
Sim. A ideia do núcleo surgiu de um amigo meu, o Pedro Jerónimo. O núcleo era também uma forma de nós conhecermos outras pessoas - e raparigas [risos] -, portanto aquilo acabou por ter uma componente social, para além da componente de aventura, numa altura em que não havia praticamente nada. Fazíamos várias caminhadas na Arrábida e em Sintra, ações de escalada na Guia e na Fenda, algumas saídas para o Algarve e para Espanha. Fizemos também uma expedição a Marrocos, para subir o Toubkal. Havia vários núcleos na faculdade, como de fotografia ou de teatro, mas de escalada, fomos pioneiros, e ainda hoje esse núcleo se mantém. Vai havendo sempre pessoas que vão pegando naquilo.
Mencionaste as caminhadas por Sintra, foi aí que começou o interesse em dinamizar aquela zona?
A minha relação com Sintra começou nos finais dos anos 90. Essencialmente, fazia escalada desportiva. Em Macau, contudo, um bocado dessa exploração passou pelo bloco, quando encontrei uns blocos na praia. Não tinha crashpad mas usava uma colchonete de campismo, e uma toalha para limpar os pés. Quando voltei para Portugal só existia praticamente escalada desportiva e clássica. Entretanto, saiu um artigo na [revista] Montanha, sobre Sintra, em 2000 ou 2001. Eu sabia que havia por lá qualquer coisa mas nunca tinha ido explorar. Depois de ler o artigo, já com croqui e tudo, fui conhecer a zona dos Capuchos. Isso calhou numa altura em que eu já estava no nível máximo que atingi, na escalada desportiva, e ia quase sempre para o mesmo sítio, que era a Fenda. Era lá onde passava os meus fins de semana, mas sentia-me um pouco claustrofóbico por estar sempre ali. De repente, chego a Sintra, com aquela luz espetacular, vistas desafogadas, vegetação e um potencial de descoberta gigante. Aos poucos, fui trocando.
(Fotografia: Rita Ribeiro Silva)
Quando se fala de bloco em Portugal, várias pessoas te apontam como um dos dinamizadores. Sobretudo, devido a uma viagem que fizeste aos Estados Unidos…
Sim, em 2004. Foi engraçado, porque eu estava a pensar em despedir-me para tirar uns meses sabáticos para escalar, mas ainda não tinha ideia para onde ir. Nessa altura, falava-se muito em Hueco Tanks, Grampians, Rocklands e Fontainebleau. Já tinha ido a Fontainebleau, por ser aqui ao lado, então gostava de conhecer um desses três sítios. Como, na época, não havia muitos escaladores do bloco, escalava muito com pessoas do Norte, do Porto. Escalava com o Júlio Braga, com o Zé Abreu e com o Sérgio [Martins]. Acabávamos por coincidir muitas vezes em Espanha, e quando chegava o verão íamos para Hoya Moros. Foi numa dessas vezes, em conversa com o Sérgio, que ele disse “Ó pá, se fores [aos EUA], eu junto-me”. E foi assim. Estive lá dois meses e partilhei um mês com ele.
E para onde é que foram apertar?
Eu ia com o plano em aberto. Cheguei mais cedo para conhecer os parques naturais. Gostava muito de fotografia de paisagem e fiz ali um bocadinho o roteiro dos parques naturais, com paragem nos tais spots dos quais havia alguma informação no Dr. Topo, como Castle Rock, Lost Rocks e Joshua Tree. Encontrei-me com o Sérgio em Buttermilks, Bishop, e estivemos lá a escalar duas semanas. Depois, arrancamos para Hueco Tanks, com o itinerário em aberto. Foi uma viagem com muita intensidade de escalada.
Foi um mundo novo para vocês?
Não era bem novo porque, na altura, devorava as revistas. Era assinante da Rock and Ice e também comprava a Climbing. Venerava aquelas imagens. Senti que aquilo foi basicamente o viver de um sonho. Aquela onda dirtbag, nos campings. Cá não encontras isso, o escalador dirtbag que vai viver para a zona de escalada. Não temos dimensão para isso, mas nos EUA, acontece. Dá para ter companhia para escalar todos os dias.
Houve algum bloco que te tenha marcado?
Houve uns quantos blocos que gostava de ter feito e não cheguei a fazê-los. E uns quantos que só de olhar para eles fiquei pasmado, como o The Mandala, que era muito mais imponente e com presas mais pequenas do que eu imaginava. Mas fiz muitos blocos que eram do meu imaginário e cumpriram as expectativas.
E um lugar?
Bishop, pelo sítio onde está localizado. Atravessa-se um passo de montanhas e estamos numa espécie de vale incrível, e tem ali ao lado a zona dos Happy Boulders, que é mais deserta. Depois, para ir para Buttermilks, sobe-se uma estrada pela montanha, que fica numa espécie de um colo num plateau, muito alto, com neve, e vê-se as White Mountains à volta. É um sítio inóspito, no sentido em que quando o sol se punha fazia um frio de rachar. Nós estávamos acampados e, por conforto, às vezes fazíamos 60 milhas até Mammoth Lakes só para tomar banho. Lá na zona havia um hotel com área de jacuzzi e nós conseguíamos entrar pela garagem e esgueirar-nos pelo elevador. Aquilo sabia tão bem que, depois de estar a escalar 3 ou 4 dias seguidos, valia a pena o desvio. Também era uma zona com muita atividade vulcânica, então havia umas hot springs, era espetacular nos dias de descanso. Yosemite também foi muito giro. Era dezembro e fazia imenso frio. Estávamos só três escaladores e um tipo maluco que lá vivia. Ele escrevia livros de física quântica e à noite vinha com grandes conversas. Mais aquele ambiente de ter aquilo tudo nevado, de estar ali nas calmas a cozinhar e, de repente, aparecer um jeep de um ranger a dizer “I need two volunteers, two volunteers”, super sério. Tinha apanhado um urso e precisava de ajuda para o assustar. Havia assim coisas giras que são muito diferentes das de cá.
Como se regressa a Portugal depois de uma viagem assim?
Apanha-se uma grande depressão [risos]. Fica-se desanimado, mas isso sempre me motivou a procurar mais. Nós chegamos a dizer, em 2000 e pouco, que Sintra não tinha mais blocos… E ainda hoje continuamos a abrir linhas. Não estava nada à disposição, mas estavam lá, só era preciso ir procurar. É isso que se passa em Portugal. Não se pode ficar desiludido com a dimensão porque, na verdade, são poucos a procurar, são poucos a abrir, poucos a dinamizar. Eu sei que temos coisas incríveis porque vou vendo imagens aqui e ali.
(Fotografia: Rita Ribeiro Silva)
Disseram-me que depois desta viagem o bloco cresceu muito em Portugal.
Sim, mas não fui só eu o responsável. Naquela altura, entre 2004 e 2007, acho que foi mesmo a golden era de Sintra. Tínhamos um grupo espetacular, super motivado, parava tudo quando estavam condições ideais. Até posso falar de nomes, era o [João Pedro] Pena, o Rasta, o Edgar Silva, o Bruno. Foi incrível. O grupo estava motivado com a exploração e veio daí a descoberta de Albarrasintra e da Tapada. Apareceram autênticas pérolas.
Essa motivação refletia-se em muitas saídas à rocha?
Todos os fins de semana e durante a semana, com night sessions. Nenhum de nós vivia da escalada, tínhamos que conciliar isso com os nossos empregos, portanto, durante a semana, fazíamos night sessions. Mas eu gosto muito disso, tem um carisma especial, estar ali à noite com as lanternas. Muitas vezes fazíamos as explorações durante o verão e durante a temporada de inverno já sabíamos para onde ir.
(Fotografia: Rita Ribeiro Silva)
É no encalço deste trabalho que surge o teu blog, o BoulderSintra?
Sim, o blog surgiu por volta de 2007. Estávamos num frenesim, sempre a abrir coisas, e eu ia fotografando. Ao início, fotografava mais landscape, a escalada era mais quando ia de viagem. Produzia umas imagens mas não tinha o hábito de ir escalar cá e levar a câmara. Isso mudou com o digital. Em 2004, 2005 fiz, provavelmente, as minhas últimas viagens com analógico, e depois passei para o digital. Às tantas, já tinha tantas fotografias que achei que era fixe publicar. Isto foi ali na febre dos blogs. Criei o BoulderSintra, onde fiz a primeira versão do guia, muito simples, para consumo próprio, porque ninguém ia encontrar nada com aquilo. Era uma forma de documentar.
Quando é que surge a ideia do guia "Sintra Bouldering"?
Surge ali um bocadinho antes do Covid, 2017 ou 2018. A ideia de fazer o livro sempre esteve atrás da orelha mas não tinha coragem porque sabia que ia dar muito trabalho. Por volta de 2018, o Tiago Martins do Vertigo disse-me “Macau, tens que fazer um guia, não é?”. Outras pessoas diziam-me “Macau, tens que fazer um guia, senão faço eu”. Comecei a sentir pressão e acabei por dizer ao Tiago que havia muitos custos envolvidos. Foi através de crowdfunding e de uns eventos - o Boulder Sintra Social Club - que consegui angariar uma verba.
Há 1200 blocos no guia. Já estava tudo documentado?
Não. A verdade é que o guia demorou tempo a fazer, cerca de dois anos, e durante esse tempo apareceram dezenas de blocos, mas também usei muita informação que já tinha. E já tinha informação de 700 blocos, mais ou menos estruturada, em mapas, nomes, descrições. Depois, houve locais que incluí porque achei que fazia sentido, outros deixei de fora porque poderiam ser zonas mais sensíveis, com problemas de acessibilidade, ou que não se justificava. A área que deixei para o final, e que estava muito indeciso sobre se punha ou não, por ser uma dessas zonas de difícil acesso, foi a Tapada. Acabei por pôr e estou contente com isso, porque, embora a vegetação seja cerrada, o que é certo é que vai-se vendo ali algum magnésio, o que é bom, senão aquilo volta tudo a desaparecer. Portanto, o guia praticamente não acabava. Quando já tinha a estrutura organizada com os blocos fotografados, como os topos e plantas feitos, estava sempre a juntar blocos. Tive de parar senão não punha o guia cá fora. Não é que estivesse a abrir blocos de propósito mas, quando passas muito tempo num sítio, os teus olhos vão vendo linhas onde antigamente não viam.
(Fotografia: Rita Ribeiro Silva)
Sentes que o guia ajudou a projetar Sintra além-fronteiras?
Dá-me ideia que sim, embora não consiga ver isso de forma isolada, porque acho que a escalada teve um boom enorme. A seguir ao COVID-19 as pessoas estavam privadas de ir treinar aos muros e viraram-se para o outdoor. Foi nessa altura que saiu o guia. Poderia dizer que isto é tudo por causa do guia, mas não é. Noto que houve um salto, vejo que há pessoas que vêm cá e que vêm com o guia e por causa dele, mas acho que mesmo sem o guia se ia notar um crescimento na procura.
Desta infinidade de blocos, quais são os teus preferidos?
É muito difícil. Há blocos marcantes, pelo grau ou pela estética. O Kalashnikov é um bloco marcante, foi o primeiro 7c, e é um bloco super estético. O Mito é praticamente único, só o nome tem uma história gira.
(Fotografia: Rita Ribeiro Silva)
Fala-nos sobre ela.
Na altura, nem pensámos que o bloco se fosse chamar Mito. Uma vez, nos anos 90 - quando eu ainda não andava a escalar em Sintra -, o Francisco Ataíde passou de moto4 por baixo de um extraprumo com presas e uma linha perfeita. Acho que houve mais uma ou duas pessoas que chegaram a ver esse bloco. Entretanto, até 2000 e tal, quando nós começamos a dar-lhe com força na serra, a estrada desapareceu e o bloco perdeu-se. Mas nós estávamos super fanáticos do bloco e queríamos saber onde era. Diziam-nos que era perfeito, porque não é muito o que se vê em Sintra.
Tentámos chegar a ele com quem lá tinha estado, mas nunca encontramos. Sabíamos em que área estava, mas era muito grande. Houve um ano em que fiz imensas incursões à procura do Mito e acabei por encontrar a Meca, Albarrasintra e apareceram muitos outros setores que, hoje em dia, são excelentes, mas o Mito não aparecia. Começou-se a achar que era um mito, que não existia, ou que talvez tivesse existido, mas que já não existia. O bloco ganhou o nome antes de ser encontrado, antes de ser escalado. O que é engraçado, porque normalmente é ao contrário.
Na altura em que surgiu o Google Earth, já se conseguia ver aquela mancha verde e os pontinhos brancos, que eram os blocos, e eu sabia qual devia ser a área onde o bloco estava. Marquei numa folha os pontinhos todos e andei a ver um a um. Às tantas, encontrei um bloco que cumpria as características. Não tinha estrada nenhuma, estava meio tapado pela vegetação. Tirei uma fotografia e mandei para o Ataíde. Mas já tinham passado tantos anos, que ele não sabia se aquela foto correspondia ao bloco. Continuou a dúvida. Até que, mais tarde, o Cuca encontra uma fotografia, uma impressão que ele tinha feito em analógico. Aparece o estradão e eles a brincarem nesse bloco. Era o Mito. Andamos à procura do bloco durante, pelo menos, um ano. Ficou com uma história gira e é um bloco que hoje em dia eu acho que é um dos ex libris da Serra.
Fotografaste muitos escaladores, e tens muito trabalho publicado em revistas da especialidade. Como é que foi evoluindo o teu percurso dentro da fotografia? Juntaste as duas paixões?
Eu acho que sim, foi de forma natural. Talvez o BoulderSintra me tenha levado a ser um bocadinho mais rigoroso com os enquadramentos. Eu estava sempre a tentar melhorar. Estava ali a fotografar blocos, mas a tentar conseguir a luz certa e a tentar retratar o bloco de uma forma que lhe fizesse jus. E a estética do bloco sempre me atraiu muito. Acabei por ter mais solicitações para fotografar desportiva, porque as revistas, e os poucos trabalhos que fui começando a ter, inseriam-se mais nessa temática da escalada desportiva. O objetivo era mostrar este Portugal que, para a Europa, era tão desconhecido. Mostrar zonas como o Meio Mango, Casal Pianos, Sagres… E a fotografia, nessa altura, começou a ficar um bocadinho mais séria. Nunca deixei de ter o meu trabalho principal - sou engenheiro civil -, mas fui tendo um certo percurso, muito natural, sem nunca largar tudo. Hoje em dia posso ter algum corpo de trabalho consistente, mas também é fruto do tempo que isso durou.
Com que publicações é que trabalhaste?
Com quase todas as revistas europeias, a Escalar, Desnível, Pareti, Klettern… Algumas inglesas, também.
Mais recentemente, colaboraste com a Desnível.
Sim, num capítulo que está praticamente fechado, porque as revistas também estão a passar por imensas dificuldades. E Portugal já está mais ou menos visto. A verdade é que houve uma altura que era novidade, mas hoje em dia já não é assim tanto. Portanto, acho que se fecharam um bocadinho as portas. Teria que ir à procura de locais novos, mas também há muita gente a fazer isso, e torna-se um bocadinho mais difícil.
(Fotografia: Rita Ribeiro Silva)
Ouvi dizer que estás a explorar alguma coisa no Alentejo.
Há vários sítios que estou a explorar, mas sim, tenho ido ao Alentejo fazer umas incursões.
Há potencial?
Há, sim. Aquilo está junto a um rio em que de um lado das margens é público e do outro é privado. Andamos a contactar os donos a ver se podemos ir lá, porque neste momento só temos uma margem, onde já abrimos uns quantos blocos.
Podes falar um bocadinho do tipo de rocha, que características tem aquela zona?
O Alentejo é muito engraçado, uma pessoa passa de carro e parece que não tem rochas, mas quem lá vive, ou quem já lá passou muito tempo, vai encontrando uns aglomerados aqui e ali, dentro das quintas. Nós já tínhamos andado atrás de um filão de rocha na zona de Estremoz e foi aí que fomos dar com um setor de rocha absolutamente fantástico. O Alentejo sempre teve o problema de ter propriedades muito grandes, e quase todos os afloramentos acabam por ser dentro de zonas privadas. Não é que possa haver muito problema com isso, mas não vais investir energia a desenvolver um sítio em que depois te podem barrar o acesso. Este sítio foi uma dica de uma pessoa que me perguntou se já existia escalada ali e eu fiquei curioso. Mas ainda está a nascer, não posso revelar muita coisa.
(Fotografia: Rita Ribeiro Silva)
E projetos para o futuro?
Tenho duas coisas que quero fazer a curto prazo, uma delas é a atualização do guia de Sintra. Eu pensei que fosse passar mais algum tempo até sentir essa necessidade, mas a verdade é que já se está a justificar fazer uma atualização. Outro projeto é fazer o guia de Cascais - Cascais Bouldering - que também está em draft. Essa orla costeira acabou por crescer, por isso acho que se justifica agora fazer um guia de Cascais, Farol da Guia, de Laboratório…
Já estás a trabalhar nisso?
Sim, ele já está praticamente concluído. Tem só um compasso de espera para ver como é o impacto do guia de Sintra na comunidade, no sítio, na utilização do espaço. Quis deixar em suspenso algum tempo para perceber o efeito, porque Sintra tem uma dimensão diferente. É maior, consegue absorver mais pessoas, e às vezes estes locais são mais delicados.
Portanto, ainda não está fechado.
Tenho o trabalho feito, blocos fotografados, croquis desenhados, mas ainda não montei o livro.
Quanto a projetos na rocha. Há algum?
Sim, vários. Tenho uma lista. Vários na Serra [de Sintra]. Alguns são projetos, outros já foram feitos. Tenho o Cubo [7c], um bloco que já tem algumas repetições; o Mito, versão 7c; The Room, que é um 8a que também teve umas repetições recentemente e que também gostava de fazer mais umas sessões lá; o Scarface [7c+/8a]. Muitos destes blocos têm de ser provados durante a temporada, e a verdade é que tem chovido imenso, não tem estado perfeito para os projetos. Mas isto não é desculpa, tenho que estar em forma para quando surgir a oportunidade ir lá e sacar. O Talismã, que foi um projeto que eu abri, é um 8a+, que já obrigava a ter que fazer uns treinos mais sérios. Já tem algumas repetições, mas só por estrangeiros, e era engraçado um português poder fazê-lo. Mas tenho a minha lista, que é uma lista extensa e que se mantém extensa. Infelizmente, muitos destes blocos são realmente difíceis, e é preciso estar em forma para os fazer. Os blocos começam em 7c/7c+. Hoje em dia estou bem a escalar 7b. Eventualmente, conseguiria fazer um 7c, 7c+ trabalhado. Em Sintra, o máximo que eu fiz foi 8a, há coisa de 15 anos.
O trabalho fotográfico do Ricardo pode ser conhecido aqui.