OLGA FEDYUK: ‘As pequenas conquistas da escalada são boas para a autoconfiança’

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@anaatthecrag
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Nasceu na Ucrânia, mas foi em Portugal que Olga Fedyuk descobriu a escalada, graças a um programa dedicado à atividade física promovido pela sua escola, em 2010. Desde então, a atleta luso-ucraniana, hoje com 31 anos, nunca se desligou da atividade, tendo já ocupado a função de instrutora de escalada e route setter. Atualmente, trabalha na sua área de formação, a engenharia informática, e renovou o seu título de campeã nacional pela décima vez, no ano passado.


Ficaste em primeiro lugar na última edição do São Bloc - Open FPME de Escalada de Bloco, que se realizou a 28 de outubro, mas partilhaste no teu Instagram que isso aconteceu por “acidente”. Como é que se ganha sem contar?

[Risos] O dia não estava a correr bem. A primeira parte da competição não estava a correr nada bem… não estava nos meus dias. Não estava muito bem a nível psicológico e sentia-me mal do ombro. Depois dormi e fiquei melhor.

E ganhaste.

Aconteceu, não estava à espera no dia da competição. Eu sabia que estava preparada e forte fisicamente, pois sentia-me assim duas semanas antes do São Bloc, antes de me ter aleijado no ombro a treinar com a Júlia [Nogueira]. Devia ter sido o meu dia de escalada fácil - na verdade, dia de descanso -, mas como a Júlia escala forte, eu queria treinar com ela. Queria acompanhá-la mas sentia-me bastante inflamada, naturalmente, dos treinos do microciclo corrente. Puxei um bocado e aleijei-me. Por isso, infelizmente, não fui ao MEL [Maratona de Escalada de Lisboa].

Mas parece que recuperaste a tempo.

Não recuperei a 100%, mas para ganhar deu, pelos vistos [risos]. Na competição acho que o problema maior foi mental.

Que também é importante.

Sim, é mais importante do que a parte física. Aliás, ouvi dizer que o stress (dependendo do tipo) é antítese de ganhos de força. Os treinos ajudam-me muito. Se eu não treinar, não ando bem. É obrigatório.

Foste campeã nacional dez vezes seguidas. Como é que se mantém essa consistência?

São várias componentes, onde é preciso manter a disciplina. É preciso, claro, treinar, planear, fazer o melhor que sabes e um pouco de sorte... O São Bloc, este ano, foi uma das provas mais competitivas. Mas é muito trabalho e persistência.

Até porque também tens um emprego a tempo inteiro na área da programação. Como concilias as duas coisas?

É difícil, é a vida, é fazer o que tem de se fazer. Trabalhar, treinar, dormir. O resto do tempo é preparar as coisas para o dia que vem. Pode ser uma seca e difícil, mas depois as recompensas são maiores do que os prazeres momentâneos.

Olga (Fotografia: DR)

Escalas todos os dias?

Não, eu tenho de descansar, pelo menos, um dia por semana. Depende da semana.

Dentro de portas, como é o teu treino?

Depende do meu objetivo. Se for para escalar em rocha, foco-me mais na Moon Wall ou na Kilter Board. Se for para as competições, escalo mais blocos [indoor] com estilos adequados e tento aprender diferentes movimentos.

Neste momento, estás a treinar para competir ou a fazer manutenção?

Agora é mais manutenção e recuperação das férias, pois tenho competição [Figueira Boulder Fest, a 25 de novembro]. Também vou participar no Climb Up [Oeiras Boulder Cup, a 9 de dezembro] e vou a Soure [Circuito Nacional de Bloco, a 16 de dezembro]. E também gostaria de participar na competição do The North Wall [Open FPME Bloco, adiada para 20 de janeiro].

Interessa-te participar em tudo?

Raramente... Outra vez, depende do objetivo. Mas está a chover, porque não? Eu também posso sempre escolher. As competições são uma boa maneira de me manter em forma para qualquer finalidade.

O que é que gostas mais de escalar?

Escalada com corda e em rocha. Para o bloco, tenho de estar muito motivada, pois existe uma janela de bom tempo pequena, pelo menos aqui no Norte. Ou há muita humidade, ou muito calor ou muito frio... Eu não sou muito adepta de mãos “sem sangue”, quando não se sentem os dedos. Gosto de sol. Sou muito fina [risos]. E, depois, dou umas tentativas e como a rocha é granito, muito abrasiva, acaba com a minha pele num instante. Ainda nem comecei a aquecer e a pele já está em fogo. Gosto das vias porque me permitem escalar mais, fazer um pouco mais de volume. No bloco, a intensidade é logo muito alta, mesmo que sejam problemas fáceis, não é fácil. Quando estive na Madeira, fiz bloco e gostei bastante. Acho que era basalto, então permitia-me escalar durante vários dias e mesmo com humidade alta era agradável.

Já disseste várias vezes que gostas de escalar em Espanha. E em Portugal?

Poios, mas já não tenho muitas coisas, só coisas mais duras; Buracas, tenho oitavos que também são pouco fáceis, mas claro que vou tentar. No Salto, tenho um projeto. Em Lisboa, no Portinho da Arrábida, Atlântida... tenho muito que fazer. Eu gosto de todos os estilos, gosto de escolas com muitas vias e muita variedade. E, claro, tem de haver alguma coisa para eu apertar.

Há alguma via que te tenha marcado?

A Inumana L2 [8A], nas Buracas do Casmilo. Gosto muito dela, é [uma via] de jeito. E a Equinócio L2 [8A], também nas Buracas.

Buracas (Fotografia: DR)

Onde é que gostavas de escalar?

Aonde a vida me levar é onde vou escalar. Gostaria de escalar em Itália…

Trabalhas em programação e és escaladora. Aqui no The North Wall há muitos programadores. É a resolução de problemas que vos fascina?

Sim, é verdade, sem dúvida. Eu acho que isso é importante no dia a dia. Creio que mesmo as pequenas conquistas alimentam muito a nossa autoconfiança. Eu acredito que a escalada tem bastante influência nisso, e a programação também. A programação pode deixar-nos muito frustrados, mas depois quando chegamos à solução é uma satisfação muito grande, tal como na escalada. Na área de IT (Information Technology), trabalha-se a nível intelectual, na escalada é a nível físico, portanto complementam-se bastante. No dia a dia, ensinam-nos que para alcançar um objetivo grande temos de reparti-lo em muitos pequenos problemas. Na escalada, eu diria que este processo é muito intuitivo, pois ainda não sabemos nada, ou sabemos pouco, acerca do tema, mas já conseguimos pôr em prática. Na minha opinião, essas duas áreas são muito objetivas, pois conseguimos sentir e identificar com facilidade “eu fiz este bloco”, “hoje resolvi este problema”. O que pode ajudar a perceber o quão importante é definir objetivos, nem que sejam mini. Objetivos que podemos resolver com alguma facilidade para nos sentirmos confiantes e motivados, para seguirmos em frente e alcançarmos, com mais gosto e facilidade, algo maior.

Ter uma pequena recompensa todos os dias?

Sim, pequenos sucessos todos os dias. É claro que para isso é preciso fazer esforço. A vantagem é que sentes que foste um pouco melhor do que ontem, e que não foi tudo em vão. Já é mais difícil de cair no pessimismo.

É isso que te faz gostar tanto de escalada?

É uma pequena parte da escalada, mas, claro, importante. Claro que há dias que gosto mais, outros menos. Grande parte do tempo nem motivada estou, mas faço porque gosto, porque preciso, porque sei que me vou sentir melhor depois da escalada/treino. Obviamente que adoro escalada, mas tento não me limitar, sei que existem mais desportos e áreas, pois, não sabemos o dia de amanhã. Tento não ter expectativas, para me prevenir psicologicamente.

Já disseste que não és muito de ídolos, mas há alguém que te inspire?

Eu não gosto de seguir atletas, gosto de ver os movimentos. Os homens são muito fortes e eu gosto de os ver escalar, acho incrível aquilo que eles fazem. Também gosto de ver as mulheres. Não estou interessada na pessoa que estou a ver, estou interessada no conteúdo, como é que elas fazem. Acho que todas as pessoas têm uma mistura única e especial de experiências.
Eu tenho um ídolo que eu inventei, com os princípios e características que eu considero valiosas, para ter algo para me ajudar a prosseguir. Tal como com os objetivos.

Tens um ídolo que criaste para ti?

Exatamente, eu diria assim. Como quem tem Deus.


Agradecemos ao The North Wall pelo espaço cedido para esta entrevista.