Ethan Pringle e ‘Catie’ Monteiro: Rocklands à porta de casa, e com o Meio Mango no peito

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@martinhoscosta
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Para os mais atentos ao que de bom se faz lá fora, o nome de Ethan Pringle será certamente muito mais que familiar. No entanto, não foi o seu legado dourado que me fez fazer esta pequena entrevista, mas sim a quantidade de questões que me surgiram depois de assistir às curtas-metragens produzidas pela sul-africana Catarina Monteiro sobre ele. O casal tem escalado um pouco por todo mundo, mas destacam-se as longas temporadas passadas em Rocklands, onde foi gravada “Addicted to Fear”, curta que documenta o processo de múltiplas ascensões a highballs num cenário arrebatador, e uma visita ao Meio Mango, Cabo Espichel, no ano passado. Dessa viagem resultou um documentário, onde acompanhamos de perto os pegues e o encadene da Filipinos (9a), aberta em 2019 por André Neres.
Tivemos o privilégio de conversar um pouco com eles, e prometeram voltar ainda este ano.


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Rocklands é uma Meca do bloco, onde qualquer escalador gostaria de ir uma vez na vida. Tu tens passado lá muito tempo. Podes descrever como este lugar te inspira e influencia?

Catie: Rocklands é um lugar realmente especial para mim – um paraíso para qualquer escalador. Fica a três horas de carro da Cidade do Cabo, África do Sul, e atrai centenas de estrangeiros e locais todos os anos durante a temporada de inverno. É um sítio único, não só pela qualidade excecional dos blocos, mas também pela comunidade que se encontra lá. É um pequeno lugar onde toda a gente se cruza no mesmo café (The Hen House – é incrível!) e acaba a escalar nos blocos ao lado. É um verdadeiro ponto de encontro social, onde todos estão motivados a fazer novas amizades (ou romances – o Ethan e eu conhecemo-nos em Rocklands!), a partilhar beta e a dar o máximo. Já escalei em muitas zonas pelo mundo e o sentido de comunidade em Rocklands é verdadeiramente incomparável (embora tenha sentido algo semelhante em Portugal).

Estamos ainda mais entusiasmados para este próximo inverno, pois a minha irmã comprou uma quinta no coração de Rocklands. É muito especial fazer parte do vale e poder chamá-lo de segunda casa.

Catie trying Hellfire 7C+ in Rocklands - Benjamin Malherbe @rocklands_visual_diary (Catie a tentar Hellfire 7c+ em Rocklands - Benjamin Malherbe)

A história de Rocklands também é fascinante – há milhões de anos era um estuário, e a rocha rica em ferro dá-lhe aquele tom laranja característico. A paisagem é selvagem e espetacular, é impossível não te sentires inspirado. E em termos de escalada, há sempre alguma coisa para todos, vias super interessantes e bonitas, quer estejas a escalar um 6a ou um 8c. Só precisas de estar disposto a caminhar! Rocklands não é conhecido por aproximações curtas, mas isso certamente ajuda a manter a boa forma física.

A primeira vez que fui a Rocklands foi em 2019 – antes disso, vivia em Londres, onde trabalhava para a NBC News. Depois de experimentar o que Rocklands tinha para oferecer, decidi que precisava de mudar de vida. Após concluir o meu mestrado em Cinema e Documentário Etnográfico na UCL, em Londres, regressei à Cidade do Cabo. Por cá, segui uma carreira em fotografia de escalada e realização de documentários. Tirei fotografias para várias marcas de escalada e outdoor, e geri o meu próprio canal de YouTube, o F8 Bouldering, durante alguns anos, antes de conhecer o Ethan.

Quando começamos a namorar, passamos a fazer vídeos juntos e criamos o canal de YouTube dele. Tudo começou em Rocklands. Por isso, pode-se dizer que este local me deu muito – uma paixão profunda pela escalada, o amor da minha vida e uma carreira no cinema documental. Aliás, nós vamos casar em Rocklands em agosto deste ano.

Catie at Minki in Rocklands - Benjamin Malherbe @rocklands_visual_diary (Catie no Minki em Rocklands - Benjamin Malherbe)

Confessas sentir medo sempre que escalas highballs. Podes descrever o teu processo para ultrapassar o medo? O que te motiva a escolher as linhas mais altas?

Ethan: Sempre fui atraído pelas linhas mais extensas e mais óbvias na rocha. Acho que o meu passado na escalada desportiva faz com que eu escolha projetos de bouldering que tenham uma certa extensão ou altura. Se uma linha é alta, bonita e difícil, a minha curiosidade não me deixa ignorá-la.

Sempre fui capaz de acalmar os nervos em vias altas e intimidantes, mas isso torna-se mais difícil a cada ano. Gradualmente, sinto que tenho de fazer um esforço acrescido para me sentir seguro – mais ensaios com corda, mais crash pads por baixo, mais exercícios e controlo de respiração, etc. Quero dar a mim próprio a oportunidade de me desafiar em vias altas e assustadoras, mas não quero magoar-me. É um paradoxo interessante que ainda hoje não compreendo totalmente, mas com o qual já estou bem familiarizado.

O Ethan é conhecido por escalar os highballs mais difíceis. Na tua curta-metragem “Addicted to Fear”, ele admite gostar de se sentir vulnerável. E tu, como superas o medo e o desafio de o observar e filmar?

Catie: Encontro muita tranquilidade no facto de o Ethan ter 30 anos de experiência em escalada e compreender as suas capacidades. Os riscos que ele assume são calculados e, apesar do perigo aparente de escalar blocos tão altos, ele é, na verdade, muito cauteloso. Muitas vezes, treina os movimentos com uma corda até se sentir confortável. Ele só avança quando está pronto, e quando o faz, executa na perfeição.

É espetacular ver o nível de confiança com que ele escala. No entanto, admito que houve alguns blocos que me tiraram o sono, e, nesses momentos, até me soube bem ter a distração da minha câmara e focar-me no meu trabalho enquanto ele escalava. O primeiro bloco apresentado em “Addicted to Fear” - L'appel du vide - tinha o potencial para uma queda bastante arriscada no topo. Embora eu estivesse confiante de que ele iria conseguir encadear, dei por mim a suster a respiração enquanto filmava e a deixar algumas dúvidas entrarem na minha cabeça.

Portanto, sim, pode ser desafiante, e eu fico assustada – especialmente porque me preocupo com ele. Mas, depois de o ver ter sucesso repetidamente, sinto-me confiante de que ele tem a experiência e a capacidade para o fazer sem se magoar.

Ethan Pringle standing with his back against the wall on the middle of a boulder (Ethan num highball em Yosemite)

Nos últimos 30 anos, escalaste ao mais alto nível, por todo o mundo. Como vês as mudanças na comunidade atualmente? Que ações achas necessárias para um futuro melhor?

Ethan: Nos anos 90 e início dos anos 2000, havia muito menos rocódromos e escaladores. A maioria das pessoas aprendia a escalar na rocha com alguém muito mais experiente. Agora, há muitos escaladores inexperientes a levar iniciantes para a falésia, e muitas das pessoas da velha guarda já nem frequentam rocódromos. Há pouca interação entre a comunidade de escaladores com mais bagagem e os novos que estão a entrar neste mundo agora. Acho que a nossa comunidade precisa de uma grande iniciativa de mentoria e acesso à educação para a escalada em rocha, não apenas por motivos de segurança, mas também por questões éticas e de preservação.

Já escalaste em Portugal várias vezes. Há algum episódio que te tenha marcado?

Catie: Portugal tem um lugar especial no meu coração, especialmente porque o meu pai é português. Visito Lisboa e as redondezas desde criança, mas só em 2020 comecei a escalar lá. A comunidade foi muito acolhedora desde o primeiro dia, com amigos como o Tiago Martins, o ‘Xico’ Rodrigues e o Pedro Alves a guiarem-me pelos blocos de Sintra e nas vias do Cabo Espichel.

No ano passado, voltei a Portugal com o Ethan, e passámos a maior parte do tempo a escalar no Meio Mango. Depois de sobreviver à abordagem íngreme e ligeiramente assustadora, chegas à falésia onde te espera um oceano frequentemente agitado. Foi uma experiência épica, que me endureceu enquanto escaladora.

O Ethan adorou a intensidade do ambiente e conseguiu encadear a Filipinos (9a) durante a viagem. Admito que fiquei assustada com a escalada desportiva lá (ainda chorei algumas vezes), mas foi um período de grande crescimento para mim, especialmente no que toca a desafiar os meus limites mentais. Apesar do medo, estou ansiosa por voltar este ano. Tenho trabalhado o meu lado mental aqui na Cidade do Cabo e mal posso esperar para ver como isso se traduz em Portugal.

Catie on a 7b project at Meio Mango (Catie num projeto 7b no Meio Mango)

Qual é a tua opinião sobre a escalada em Portugal depois da tua experiência no ano passado? Tens alguma linha ou zona de escalada em mente para a tua próxima visita este ano?

Ethan: Acho que a escalada em Portugal é espetacular e subestimada, especialmente nos setores à beira-mar como o Meio Mango e Atlântida. Adoro sentir a força e a beleza do oceano enquanto estou a escalar. Dá-me energia. E a rocha nesses setores é diferente de qualquer calcário que já vi. Quanto mais extraprumada, mais compacta e esculpida se torna. Acho que o potencial ao longo daquela costa ainda está relativamente inexplorado, especialmente para escalada mais aventureira, como Deep Water Soloing (DWS). Gostava imenso de voltar e explorar mais o potencial para DWS, além de experimentar alguns dos novos setores que têm sido desenvolvidos desde a última vez que estivemos lá, em 2024.

A comunidade de escalada em Portugal ainda é pequena, mas o que lhes falta em número, compensam com entusiasmo e dedicação. Acho que os locais da zona de Lisboa sabem que os setores à beira-mar são especiais e é incrível ver que estão dispostos a partilhá-los com estrangeiros como eu e a Catie! Sentimo-nos realmente bem recebidos lá. Um dia, adorava passar lá um período mais longo.

Ethan trying Filipinos (Ethan na Filipinos)

Como escolhes hoje o teu próximo projeto? Os teus critérios mudaram ao longo da tua carreira?

Ethan: No início da minha carreira, acho que comprometia mais na estética em prol do desafio físico. Mas sempre fui inspirado pelas linhas mais bonitas, óbvias e intimidantes. Acho que a cada ano fico um pouco mais exigente com o tipo de experiência que quero ter, e já não viajaria longas distâncias para tentar algo que não me inspirasse verdadeiramente. Hoje só estou disposto a escalar as linhas mais impressionantes – e ainda há muitas que quero experimentar.

Dito isto, também me divirto a escalar qualquer coisa menos apelativa, só porque adoro movimento. Simplesmente não iria à procura de um desafio desses de propósito.

Ethan climbing Filipinos (Ethan a escalar na Atlântida)

Tens algum objetivo a curto prazo? Alguma conquista recente de que te orgulhes e gostasses de partilhar?

Ethan: Recentemente, passei três meses durante o verão na Cidade do Cabo, na África do Sul. Durante esse tempo, ajudei a desenvolver um novo setor de escalada desportiva do zero. Além de umas vias de aquecimento, equipei três vias entre 8b+ e 8c+. Estou super orgulhoso do trabalho que fiz lá e sei que a comunidade local da Cidade do Cabo está entusiasmada por ter um novo setor épico para escalar no verão, quando outros sítios estão demasiado quentes. As vias mais difíceis que equipei e escalei lá têm qualidade acima da média. Estou desejoso por voltar e explorar mais o potencial daquela falésia.

Como é que escalarem juntos mudou os vossos dias?

Catie: Encontrar um equilíbrio entre filmar e escalar pode ser complicado. Na verdade, estamos sempre a trabalhar e de férias ao mesmo tempo – é uma dinâmica bonita, mas por vezes complexa. Há dias em que decido deixar a câmara para trás e simplesmente aproveitar o momento com o Ethan a escalar. Mas fazer isso com um parceiro também pode ser complicado. Ainda demoramos algum tempo a perceber como nos podíamos apoiar e motivar no setor. O Ethan quer que eu atinja o meu máximo potencial na escalada, mas os meus medos já me travaram algumas vezes. Passámos muito tempo a discutir quando é o momento certo para me desafiar e quando devo simplesmente seguir o meu próprio ritmo.

Adoro escalar com ele, e não consigo imaginar um parceiro melhor. Tê-lo ao meu lado tornou-me uma escaladora mais forte e confiante. Acho que fazemos uma grande equipa!

Ethan: Escalar como casal tem os seus desafios e vantagens. Às vezes, fico demasiado envolvido nos esforços da Catie, entro em “modo treinador” e acabo por a pressionar demais naquela sessão. Adoro desafiar as pessoas a saírem da sua zona de conforto, e a provarem a si mesmas que são capazes de muito mais do que pensam.

Sendo um escalador experiente e um estudante do movimento e da psicologia, consigo perceber quando alguém está a ser limitado pelo medo ou pela dúvida, do que pela força (o que, na verdade, acontece com quase todos nós). Gosto que as pessoas desconstruam os seus limites mentais e, por momentos, consigam suspender a sua falta de autoconfiança, mas, às vezes, as pessoas simplesmente não estão preparadas para isso.

Independentemente do resultado, essas experiências levam sempre a conversas produtivas e oportunidades para aprendermos mais sobre um e outro, e sobre nós mesmos. No geral, acho que nos apoiamos de formas muito positivas e saudáveis, filmamos e documentamos as nossas sessões, e estamos sempre muito entusiasmados com os esforços, sucessos e oportunidades de aprendizagem um do outro.


Agradecimentos:
Ethan Pringle, Catie Monteiro e Benjamin Malherbe pelo conteúdo fotográfico dispensado para este artigo.

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