Chongo: num teto feito de estrelas
Foi a ouvir um dos episódios do Sitstart, com o Sérgio Martins, quando ele partilhava as suas histórias sobre os vagabundos do mundo da escalada e sobre a cultura dirtbag que ouvi pela primeira vez o nome Chongo. Passou-me despercebido até ler a entrevista que fizemos ao Macau: “Estávamos só três escaladores e um tipo maluco que lá vivia. Ele escrevia livros de física quântica e à noite vinha com grandes conversas”.
O Sérgio em duas passagens por Yosemite, primeiramente com o João Animado, e mais tarde com o Macau, teve oportunidade de se cruzar com esta lenda e descreveu-a como “o grande vagabundo da história da escalada americana”.
Para o governo da Califórnia ele era Charles Victor Tucker III, o flagelo do Parque Nacional de Yosemite, os conhecidos chamavam-lhe Chuck, mas para os escaladores de todo o mundo ficou eternizado como Chongo, “The Monkey Man”.
Nasceu numa base militar americana no Japão e quando voltou aos EUA estudou na Van Nuys High School em Los Angeles. Posteriormente frequentou um curso de Matemática na Universidade do Arizona durante apenas um ano e acabou por ir trabalhar como freelancer para uma empresa de IT durante alguns anos. Durante este período deu os primeiros passos a escalar essencialmente em Stoney Point e Tahquitz Rock.
Emigrou para a Cidade do México, na década de 1980, onde permaneceu numa das vizinhanças mais perigosas da cidade por oito anos, até que numa tentativa de traficar droga para o lado americano foi baleado pela polícia e foi detido e preso durante vários anos.
Após cumprir pena, partiu para Yosemite. O parque era agora casa da terceira geração de escaladores apelidados de Stone Monkeys. Embora Chongo nunca tenha igualado os grandes nomes de referência na escalada americana, que liberavam as vias mais duras, as técnicas que criou para escalar Big walls foram revolucionárias e ainda hoje são usadas. Desenvolveu equipamentos e métodos complexos que lhe permitiam andar à boleia na face do El Capitan. Usava sistemas com multi-polias de forma a conseguir levantar cargas extremamente pesadas, tudo com o objetivo de conseguir viver na parede por períodos de tempo indefinidos. Muitos consideravam-no o Pai das técnicas de progressão e hauling em Big Wall e o Tommy Caldwell chega mesmo a referir no filme “Valley Uprising” que Chongo está para Yosemite como o Master Yoda está para “Star Wars”.
As invenções e técnicas que criou foram por ele documentadas no livro de quase 600 páginas “The Complete Book of Big Wall Climbing” sendo o manual mais completo sobre o assunto ainda nos dias de hoje.
Introduziu também a prática de Slackline no vale e tornou-se numa referência para Dean Potter que mais tarde se entregou à sua prática abrindo dezenas de travessias de slackline em free solo nas falésias do parque.
Apesar de Chongo ser incontornavelmente uma figura do dirtbag outdoor, algo que eleva a sua personagem a um novo patamar, é a sua fama de ter pensamento filosófico e cientifico que o torna tão característico.
Interessava-se por física quântica e escreveu livros sobre o tema. Muitas histórias nasceram em torno da credibilidade das suas teorias que entusiasticamente contava em torno da fogueira do Camp 4 [Yosemite] - Uns diziam que alucinava, outros diziam que os físicos o consultavam relativamente aos assuntos abordados nos livros dele, especialmente no “Homeless Interpretation of Quantum Mechanics”.
Na década de 1990, Yosemite não era apenas atração para escaladores, o governo da Califórnia construiu no parque infraestruturas para receber a família típica americana. Não demorou até os dois mundos chocarem. Foram criadas regras de forma a afastar escaladores e dirtbags do vale - uma delas foi a proibição da permanência por períodos superiores a sete dias. “Os Rangers do parque em vez de terem um curso em biologia, começaram a formar-se em defesa pessoal e a carregar armas de fogo e tasers”. Os Stone Monkeys não cederam e durante 12 anos, auxiliados pela experiência de Chongo, conseguiram romper as regras e esgueirar-se por entre as floresta para escalar e dormir nas zonas menos vigiadas.
Chongo Chuck tornou-se um alvo dos Rangers, tendo o governo da Califórnia emitido um mandado de captura. A incapacidade de o localizar e deter, que durou um ano, tornou-se numa piada entre a comunidade que escalava em Yosemite: “Com cinquenta anos e 36 quilos de material às costas. Provavelmente estão à procura de alguém mais rápido.”
Inevitavelmente Chongo foi apanhado e presente a tribunal.
O veredito foi muito explícito: “Charles Tucker viveu demasiado tempo em Yosemite”. Chongo foi expulso do parque e desta vez, verdadeiramente sem casa, viu-se obrigado a ir dormir para debaixo de uma ponte nos subúrbios de Sacramento. O seu paradeiro foi perdido durante alguns anos, tempo suficiente para se ter acreditado que tivesse morrido. Mas ainda hoje nas redes sociais há vestígios de fotografias de quem o reconhece, tiradas aqui e ali, algumas em festivais de escalada, evidenciando a sua existência. Os que o encontraram e falaram com ele dizem que o seu estilo de vida é principalmente um protesto contra um sistema que privilegia certos grupos de pessoas e discrimina outros. Embora carregue alguma amargura, foi alguém que claramente conseguiu aproveitar a simplicidade da vida que tinha.