ALBERTO CRUZ: ‘Temos cerca de 10 anos de atraso na escalada. O investimento do Estado não é comparável com o que se faz lá fora’



Podem não ser exatamente sete, mas que Alberto Cruz tem muito ofícios, tem. O atual presidente da Federação Portuguesa de Escalada de Competição (FPME) preenche os dias a tentar elevar o nível da escalada de competição em Portugal, a dar aulas enquanto professor de Educação Física e ainda faz volumes para fintar as insónias. Quando, milagrosamente, lhe sobra tempo, salta dos bastidores da escalada para o palco e aperta no Vale de Poios e nas Buracas de Casmilo.
Já afirmaste várias vezes que a escalada em Portugal tem um atraso significativo face ao resto da Europa. Agora que assumiste a presidência da Federação Portuguesa de Escalada de Competição, o que pretendes fazer para atenuar este atraso?
Quando apresentei a minha candidatura a presidente, apresentei um Plano Estratégico de Desenvolvimento com cinco eixos, que penso serem fundamentais para diminuir o atraso significativo face ao resto da Europa: um, o aumento do número de atletas, praticantes e clubes filiados; dois, a diversificação de fontes de financiamento; três, a formação de agentes desportivos qualificados; quatro, o aumento da competitividade interna visando criar as condições necessárias para que os atletas portugueses possam competir em igualdade de circunstâncias com os melhores atletas internacionais; e cinco, continuar a lutar para ser a federação responsável por todas as formas de escalada e pelo montanhismo.
Em 2016, conseguiste trazer uma competição europeia para o Centro do país, que se mantém até hoje no calendário da Federação Internacional de Escalada Desportiva (IFSC). Mas, antes disso, traçaste um caminho na escalada. Quando começou?
Sou professor de Educação Física há muito tempo, e desde que comecei a dar aulas, sempre fui um aficionado de desportos de natureza, tendo desenvolvido atividades nas escolas por onde passei. Nos primeiros anos, fazia voltas de bicicleta com os meus alunos nos concelhos onde dava aulas. Depois, quando fiquei mais estável, em Condeixa, apareceu uma ação de formação fornecida pela Associação de Profissionais de Educação Física do distrito de Coimbra. Tinha como tema “Escalada em Rapel em Meio Escolar”. Já fazia rapel e manobras de corda, mas nunca tinha feito escalada. Na altura, quando fiz a ação, estava a dar aulas em Penela, na Escola Básica de Penela, e foi de tal forma motivante que, passados seis meses, tinha uma parede de escalada exterior na escola, feita pelos alunos e com alguns apoios. Como estávamos perto do Vale de Poios e da Senhora da Estrela, aproveitávamos para escalar na rocha, também. Nessa altura, o desporto escolar convidou-me para participar em campeonatos nacionais com os meus alunos. Levei-os a Castelo Branco, o primeiro sítio onde fomos, e os miúdos trouxeram vários primeiros lugares. Foi muito motivador.
Fala-me um pouco do percurso que trilhaste até chegar a Soure.
Fui colocado na Escola de Soure, que integra o Agrupamento de Escolas de Soure, há cerca de 25 anos, e decidi que queria ter um grupo de desporto escolar de escalada. Criámos o grupo e disseram-me que no jardim do padre da freguesia havia uma antiga parede, que era do Grupo de Jovens de Soure. Falei com o padre José Cunha e foi-nos dada autorização para a utilizar. Tinha sete metros de altura e quatro vias. As paredes eram em MDF e estavam no exterior há mais de 10 anos, portanto estava tudo podre. Tinha só umas 70 ou 80 presas, mas deu para iniciar. Também começámos a participar nos campeonatos do desporto escolar e, apesar das poucas condições que tínhamos, fomos conseguindo ficar em primeiro lugar, nas várias competições em que participámos. Foi uma motivação para continuarmos.
Entretanto, soubemos que ia haver uma competição da Federação Portuguesa de Montanhismo e Escalada (FPME), e perguntámos à federação o que era necessário para participar. Disseram-nos que era preciso federar e arranjar um clube. Então, arranjámos um clube escolar, federámos e participámos na nossa primeira competição que decorreu em Espinho, no dia 6 de outubro de 2006 e que integrava o Campeonato Nacional de Escalada de Bloco. Trouxemos muitos primeiros prémios, com miúdos dos 12 aos 17 anos. Quando chegámos a Soure, apresentei os resultados à Direção da Escola Básica de Soure e à Câmara Municipal, e pedi um apoio para construir uma parede de escalada na escola. O município apoiou, mas houve umas questões com o Ministério da Educação, que levou os pais a fazer um abaixo-assinado. A pressão acabou por resultar, e construí a parede com os meus alunos, numas férias da Páscoa.
Com a participação nas competições, os bons resultados e o grupo a crescer, a parede - que tinha à volta de oito vias de escalada - começou a ser pouco para os alunos que tínhamos, então pedimos mais um apoio financeiro à Câmara. E nas férias da Páscoa do ano seguinte, erguemos a segunda parede, que foi a primeira estrutura em que se realizaram as provas de competição. Era uma estrutura adequada a provas de competição, com um bom enquadramento e espaço para o público. Realizámos a primeira competição federada em 2008 e a partir daí, nunca mais parámos. Continuamos a organizar competições federadas, sempre ligados à FPME. Neste momento, organizamos uma prova do Campeonato da Europa que até há dois anos era única na Península Ibérica. Entretanto, com a evolução do grupo, essa parede de escalada que tínhamos já era pouca - a vertical e de bloco - e com algum apoio e empenho dos atletas, conseguimos construir uma continuação da parede de bloco. Isso já parecia suficiente e, para aí em 2015, lancei à Federação a hipótese de organizarmos uma prova do Campeonato da Europa.
Voltando um bocadinho atrás, talvez em 2008 ou 2009, atendendo aos resultados que os meus atletas tinham nas competições nacionais, eu propus à federação levá-los a competições internacionais. Como a federação não tinha apoio do Estado, não havia verbas. Então, os atletas e professores, de Soure e não só, juntaram alguns trocados e fomos à nossa primeira prova da International Federation of Sport Climbing (IFSC). Nós aqui [em Portugal] éramos muito bons, mas chegámos lá e reparámos que não éramos assim tão bons, porque havia uma diferença de nível muito grande entre aquilo que nós conseguíamos fazer e o que os atletas de outros países faziam. Importa lembrar que éramos um grupo não profissional e já estávamos a competir com atletas que participavam em todas as provas da Taça do Mundo, do Campeonato da Europa e por aí em diante. No entanto, não desistimos e continuámos a participar em várias competições, em França, na Áustria e na Eslovénia, e eu tive a sorte de um dos meus atletas, em Imst, no ano de 2011, quase ter passado às semifinais. Ficou a uma presa. E este foi o nosso auge nas competições internacionais, em corda. Percebemos que tínhamos de trabalhar mais para conseguir levar os nossos atletas às competições internacionais.
E quanto a competições de bloco?
Entretanto, houve uma alteração na política da federação internacional, e a partir de uma dada altura começaram a realizar-se provas de bloco. Como já tínhamos estruturas de bloco em várias zonas do país, decidimos apostar nessas competições. Então, a partir de 2009 ou 2010, começamos a participar também em competições de bloco do circuito europeu. Nas primeiras provas não tínhamos muito bons resultados, mas, de ano a ano conseguimos subir dois ou três lugares. Em 2015, era já uma atividade da federação, que tinha a sua seleção de atletas, treinados nos seus clubes, e que depois se juntavam, faziam um estágio e organizavam atividades e participavam nessas competições.
Apesar de estarmos na cauda das competições de bloco, paulatinamente começamos a melhorar os nossos resultados, e em 2015 tínhamos alguns atletas que já estavam a meio da tabela. No mesmo ano surgiu o boom da escalada com a notícia de que a modalidade iria integrar os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020. A nível mundial, mas sobretudo a nível europeu, houve um salto gigantesco na qualidade dos atletas internacionais, nos processos de treino e no investimento para preparar atletas para integrarem os Jogos Olímpicos. Nós, como não tínhamos apoio do Estado, não tínhamos dinheiro nenhum, portanto não conseguimos colmatar essa décalage e acompanhá-los. Não é que tenhamos baixado o nosso nível, eles é que aumentaram muito o deles, e nós baixamos os nossos resultados por causa disso. Mas continuamos a trabalhar no bloco para nos aproximarmos da Europa.
Com esse boom dos Jogos Olímpicos, e porque nós já tínhamos competições em Portugal bastante organizadas, com atletas de qualidade e com uma estrutura em Soure, eu propus à federação e à comissão técnica que trabalhava comigo - cerca de 4 ou 5 pessoas, como o Bruno Gaspar e o Francisco Crisanto, que têm clubes de escalada e que também trabalham nas escolas - o que é que eles achavam de organizarmos uma prova do Campeonato da Europa de Bloco. Eles acharam que eu era doidinho, que era uma coisa que estava um bocado longe e que não tínhamos financiamento. Eu apresentei a minha proposta ao Presidente da Câmara de Soure, Mário Jorge Nunes e ele disse “vamos para a frente! O que é que é preciso?”. Depois disso, juntamente com os alunos do Agrupamento de Escolas de Soure, mais uma vez, construímos a última parte da parede de escalada, temos agora uma estrutura bastante grande. Foi tudo construído pelos alunos da escola e atletas do grupo de escalada de Soure. Depois disso fizemos a proposta ao IFSC e foi aceite. Em 2016, contra todas as expectativas, organizámos a primeira prova do Campeonato da Europa em Soure e, apesar do nosso receio, logo a primeira edição foi considerada a melhor prova do Campeonato da Europa de sempre. Foi tão bom, e o IFSC gostou tanto, que a partir daí passamos a integrar o calendário europeu todos os anos, e organizamos sempre uma prova do circuito da Europa.
Os atletas adoram competir em Soure. A que achas que isso se deve?
A qualidade deve-se ao empenho da equipa organizadora. São todos voluntários, e à boa maneira portuguesa, trabalham para fazer o melhor possível e para receber as pessoas que vêm da melhor forma. E isso nota-se. As equipas e os técnicos internacionais gostam de ser recebidos por nós. Temos uma equipa grande. No ano passado, foram 70 voluntários, todos com um grande empenho. Isto é o reconhecimento do trabalho que nós temos na organização da prova. Como ainda não temos muito bons resultados a nível internacional, apesar de participarmos em algumas provas, e como não temos estruturas para organizar cá outro tipo de provas internacionais, aprimoramos a organização desta. Portanto, foi com o contributo de toda a gente que conseguimos manter quer a qualidade das provas, quer a prova como parte integrante do calendário IFSC.
É justo dizer que tudo isto partiu de uma só pessoa cheia de coragem?
Coragem, paciência, resiliência e uma família que a compreenda. Acho que há muitos projetos que as pessoas até têm ideias, mas as coisas não aparecem só pelas ideias, é preciso meter a mão na massa e arriscar. Nós arriscamos na primeira prova, porque nunca tínhamos organizado nenhuma. Foi um risco para nós, para a organização, para a FPME e para a Câmara, que apostaram em nós. Fizemos tudo sem grande experiência, porque nunca estivemos do lado da organização, só da participação. Conseguimos fazer com o que observamos nas competições lá fora. Transpusemos para cá e melhoramos. E, passando a modéstia, acho que fiz a diferença no desenvolvimento da escalada de competição em Portugal, com estes projetos e com os meus miúdos, que continuam a escalar comigo.
Custa-te ver o atraso causado pela já resolvida quezília entre federações?
Sim, custa. Temos um atraso muito grande e isso deveu-se, principalmente, a essas guerras, motivadas por haver duas federações na disputa por uma coisa só. Custa-me porque se não tivesse havido essas guerras, se o Estado tivesse apostado de uma forma coerente e legal na federação que devia apostar, este atraso conseguia ter-se reduzido. Eventualmente, poderíamos até não estar nos primeiros lugares, mas estaríamos muito mais evoluídos. Neste momento, temos cerca de 10 a 12 anos de atraso relativamente aos outros países. E cada vez o atraso é maior, porque nos outros países já há um investimento muito grande para o desenvolvimento da escalada, e cá em Portugal ainda não. A FPME, à qual eu pertenço, passou a ter o estatuto de utilidade pública desportiva, e portanto já tem mais uns trocados, e já se consegue fazer alguma coisa, mas o investimento que o Estado dá à federação não é comparável com o investimento que se faz lá fora. Como eu disse, há talvez 15 anos, eu tive um atleta que foi quase às semifinais de uma prova de corda, ficou a uma presa de não ir, e depois tudo isso veio para baixo, porque não havia apoio, não havia estruturas, não havia nada e portanto custou-me um bocado. Agora o passado não interessa, passado é para recordar e o que interessa agora é o que está para vir.
Mencionaste numa reportagem do jornal Expresso a possibilidade da criação de um centro de alto rendimento de escalada no centro do país. Como estão as conversações?
Para já, estão em stand-by, mas no bom caminho. Ainda não há um apoio da estrutura que dirige o desporto em Portugal, o IPDJ [Instituto Português do Desporto e Juventude], mas há um da Câmara Municipal. Estamos a tentar criar as condições que permitam termos um centro de alto rendimento. As sementes estão lançadas, as coisas estão a avançar, já há uns projetos sobre isso. As coisas não estão paradas, mas neste momento é cedo para levantar mais o véu.
Isso seria essencial para elevar a qualidade da escalada em Portugal?
Sim. Neste momento, já há algumas coisas que estão a melhorar em Portugal. Antigamente, não havia rocódromos, só a partir de 2017/2018 começaram finalmente a aparecer. Houve o Alvaláxia e um outro no Norte, mas ambos fecharam. A partir de 2017/2018 começaram a aparecer ginásios de escalada que abrem as portas para quem quiser experimentar escalada, fazer um treino como num ginásio de fitness, e também servem para os atletas que escalam na rocha possam escalar e treinar. O aparecimento destes ginásios, que agora são cerca de 20 no país, vem fazer com que haja uma melhoria acentuada da qualidade dos atletas, por haver estruturas para eles treinarem. Enquanto federação, estamos agora a apostar na credenciação de técnicos. Em que temos técnicos que vêm do estrangeiro para dar formação aos nossos técnicos e aos nossos atletas para estarmos a par das últimas novidades que se aplicam em metodologia de treino. Os ginásios são importantes para isso porque é nos ginásios que estão os atletas. Outra coisa que também poderá fazer-nos melhorar tem que ver com as estruturas de corda que estão a aparecer. Existem em Lisboa e em Braga. Portanto, esses são dois fatores muito importantes para trazer desenvolvimento à nossa modalidade: mais estruturas especializadas e técnicos credenciados.
És, de certa forma, responsável pela introdução da escalada na vida do João Évora, um dos mais proeminentes route setters portugueses.
O João começou a escalar no 5º ano, com 9 anos, e todos os fins de semana íamos escalar à rocha, ao Vale de Poios, à Senhora da Estrela e às Buracas de Casmilo. Ele começou os treinos connosco, participou em competições e tinha bons resultados. Quando já estava no 7º ou 8º ano, teve a sorte de ter um diretor de turma que era escalador, então o João escalava com ele nas Buracas e em Poios. Foi um pouco assim que ele cresceu, nos treinos da escola e a escalar muito em rocha. Quando escalava na rocha, tinha o apoio de pessoas como o Bruno Gaspar e o Francisco Crisanto. Foram muito importantes no crescimento e no desenvolvimento do João enquanto atleta e route setter. Também, desde pequeno, que o João ia às competições de desporto escolar que organizávamos na escola. Quem equipava essas competições eram os meus atletas mais velhos. E quando nós organizávamos competições federadas dividíamos em dois dias: no primeiro dia havia a prova dos seniores, que depois ficavam a noite toda a equipar a prova dos mais novos, no dia seguinte. Entretanto, isso foi alterado porque era muito cansativo. Então, o João pedia para não competir e ficar a equipar, mas nós nunca o deixamos fazer isso. Ele competia sempre. Quando ele passou a júnior, equipava, com outro atleta, as competições para todas as camadas jovens que iam competir a Soure. Depois disso, ele também competiu em várias competições internacionais. Quando se organizou o segundo campeonato da Europa, convidei-o para equipar, juntamente com outros route setters internacionais. Ele já equipava bem em Portugal, gostou de equipar essa prova e fez algum investimento para equipar gratuitamente em ginásios. Posteriormente, houve um projeto IFSC que permitia a bons equipadores frequentar um programa para equipar em competições internacionais. O João teve nesse programa 2 ou 3 anos nós achávamos que ele equipava muito bem. Entretanto, com a experiência que ele adquiriu nos campeonatos internacionais que organizamos cá e nas competições nacionais, e também a equipar nos ginásios de escalada pelo país, tornou-se, dos nossos atletas, o que melhor e mais equipava. Começou a ganhar conhecimentos e foi convidado por outros route setters para ir equipar a prova da Taça de Espanha e a prova da Taça de França. Neste momento, é o melhor equipador português. É um excelente equipador a nível europeu. Já equipou em Taças do mundo, provas de demonstração para os jogos olímpicos para testar o novo modelo.
Ouvi dizer que constróis volumes.
Sim, quando não tenho sono, tenho uma garagem que é mais uma oficinazinha e construo volumes de escalada e isso apareceu porque nós não temos muito dinheiro na federação era muito difícil nós adquirirmos, e o ginásio é bastante grande e tem muito espaço e as presas são muito caros e para tornar as coisas mais baratas eu decidi construir os volumes para colocar na parede. Começou com uma brincadeira e tornou-se maior e agora vou produzindo volumes para quem me pede quando tenho tempo.
Que materiais costumas usar?
Madeira, contraplacado marítimo, contraplacado de bétula de 19mm, cola, resinas, tintas e sílicas.
Um volume pode ficar pronto numa noite?
Dependendo do volume, qualquer tipo de volume pode ficar pronto numa noite. Tento não fazer apenas um só volume porque tenho várias máquinas, e para as ter a trabalhar, compensa-me fazer mais de uma vez, como 10. Corto as coisas todas, colo e aparafuso. Aos fins de semana, consigo fazer cerca de 8 ou 9, dependendo do tamanho.
Como se aprende a fazer volumes?
Inicialmente, via os volumes na parede. Na Figueira da Foz havia um marceneiro que fez uns volumes para o clube da Figueira da Foz, e como eu gostei muito deles, pedi-lhe para fazer uns para mim. Depois vi como eram feitos e percebi que também podia fazer. Então, com o pouco material que tinha, fiz os primeiros volumes, um pouco rudimentares, mas que estão ainda em utilização. Comecei a construir sem ler grande coisa, sempre tive jeito para essas coisas. Cortava a madeira, colava, aparafusava. Com o Campeonato da Europa, quis fazer coisas melhores, então comecei a pesquisar informação na Internet e no YouTube. Não diferiam muito do que já fazia. Hoje faço volumes muito bons.
A escalada tem vários benefícios para crianças e jovens, mas não é um desporto em que se aposte nas escolas. Que motivos apontas para isto?
Há vários motivos, embora já se veja alguma evolução. Já há escolas que já pedem a construção de paredes de escalada. Estamos a fazer um shift. Porque isto acontece? Primeiro, porque somos um país de futebol, e se virmos o dinheiro que o Estado usa para apoiar o futebol, em comparação com outras modalidades, aquilo que o futebol recebe é quase mais do que as outras todas juntas. Depois, as pessoas têm a perceção que a escalada é uma modalidade perigosa e radical. Não é. Atividade radical é pôr uma velhinha de 80 anos a andar de patins. Mas, como há alguns riscos associados, as pessoas têm algum medo. Efetivamente, é uma atividade que pode ser perigosa. Tem que se saber aquilo que se está a fazer e controlar os riscos para que acidentes não aconteçam. O futebol é perigoso, muita gente morre, mas ninguém liga a isso porque é o futebol. Se alguma coisa acontece na escalada já não é bem assim. Em termos de lesões, o desporto que tem mais lesões é o basquetebol e a escalada aparece como das que provoca menos. Por isso, não é uma modalidade tão perigosa e radical quanto isso.
Além disso, no curso de formação dos professores a escalada não é uma modalidade obrigatória. Portanto, quando os profissionais de Educação Física saíam da universidade, não tinham essa formação. A par disso, pode-se jogar futebol ou basquetebol num espaço qualquer, mas para escalar é preciso um espaço e uma infraestrutura própria, e isso não existia nas escolas. Uma parede de escalada, sendo cara, pode não ter utilizadores que justifiquem o investimento. As escolas não tinham financiamento para isso a não ser que tivessem alguns doidinhos com eu. Daí ser muito difícil a implementação nas escolas. Outro fator: há 10 anos era difícil escalar na rocha, porque era tudo muito caro. Graças ao “efeito Decathlon”, como eu lhe chamo, os materiais ficaram mais baratos. Isso fez com que os materiais para a escalada de rocha ficassem acessíveis. E também é preciso ser um bocado maluco para chegar à aula e dizer “hoje vamos escalar para a Senhora da Estrela”.
Também és apaixonado por escalada enquanto escalador?
Gosto de escalar e escalei muito durante uns anos. Não escalava graus altos mas ia todos os fins de semana escalar, antes de me convidarem para integrar a Federação. Ia escalar e levava os meus alunos todos os fins de semana. Depois com o tempo que a federação me tirou, porque não há tempo para estar com o clube e com a federação e ainda ir a competições, fiquei sem tempo para ir escalar. Sempre fui um desportista. Fui federado na ginástica, fui no basquetebol e no voleibol. Mas, ao dar aulas, dei cabo de um joelho, há alguns anos, e como nunca foi tratado, estou na iminência de levar uma prótese. Não posso fazer muito esforço, ou passo uns dias sem me mexer. Dou formação, de vez em quando escalo um bocadinho, mas não faço mais porque os meus ossos já não me permitem fazer isso com a frequência que gostaria.
Qual é o sítio onde mais gostas de escalar?
Eu escalo na zona centro. Não escalo muito no resto do país porque tenho as paredes mesmo perto da minha escola e não conheço muito das outras estruturas naturais que existem no país. Sei que há estruturas fabulosas, como o Meio Mango, e mesmo lá em cima, no Gerês. Onde eu gosto de estar é no Vale de Poios e nas Buracas de Casmilo, que foi onde passei os meus últimos 25 anos.
E nesses sítios, há vias que te tenham marcado?
Há várias vias de graus baixos que me marcaram, umas por quedas graças às quais ainda hoje tenho marcas, outras por ter lutado com elas durante algum tempo para a conseguir fazer. O meu grau mais alto é 6C.
E projetos?
Tenho um sonho que espero concretizar antes de morrer, que é fazer um 7A. Gostava de fazer o Peregrino, em Vale de Poios, e a Fotogénica, ao lado da Capela da Senhora da Estrela.
Agradecimentos:
Alberto Cruz, pelo tempo e pelo conteúdo fotográfico dispensado para esta entrevista.